segunda-feira, 30 de agosto de 2010
Larry Rohter: "Este é o 16º ano do governo FHC"
O jornalista americano Larry Rohter, ex-correspondente do New York Times no Rio de Janeiro, ficou célebre entre os brasileiros em 2004, quando quase foi expulso do país por Lula depois de publicar uma reportagem em que dizia que a “predileção do presidente por bebidas fortes estava afetando seu desempenho no gabinete”. Mas a sua relação com o país começou muito antes do episódio, ainda no início da década de 1970, quando conheceu Clotilde Amaral, uma brasileira que estudava idiomas na Universidade de Georgetown, onde ele estudava história e ciência política. Rohter começou a aprender português com Clotilde, que, de professora, tornou-se sua namorada e o trouxe para conhecer o país em 1972. Casaram-se um ano depois, tiveram dois filhos e, do convívio com o país, o jornalista escreveu dois livros. O primeiro, Deu no New York Times (editora Objetiva), lançado em 2008 para o público brasileiro. O segundo, Brazil on the rise (Palgrave Mcmillan) (numa tradução livre, Brasil em ascensão), lançado neste mês, é uma introdução ao país para estrangeiros. “O interesse pelo Brasil já era grande em 2008, quando a editora decidiu fazer o livro, e desde então só aumentou”, diz Rohter. “Já sabemos até que haverá uma edição do livro em chinês.”
Nesta entrevista, concedida por telefone do escritório de sua casa, em Hoboken, região metropolitana de Nova York, Larry Rohter fala da nova obra, da campanha presidencial e do Brasil pós-Lula. O jornalista também revela se o episódio que quase levou à sua expulsão do país alterou sua opinião sobre o Lula como presidente.
ÉPOCA – Para quem o senhor escreveu Brazil on the Rise?
Larry Rohter – O livro é complementar ao primeiro, Deu no New York Times, que era dirigido a brasileiros. É o outro lado da moeda: é um livro dirigido a estrangeiros, ao público que fala inglês. Isso quer dizer que a estrutura e o conteúdo do livro são diferentes. É um público que não conhece o Brasil, talvez nunca tenha estado no país, mas ouviu falar, tem uma curiosidade de conhecer melhor um país que está cada vez mais nas notícias. Nas manchetes, não, mas nas notícias, sim.
ÉPOCA – O interesse dos estrangeiros pelo Brasil tem aumentado?
Rohter – O interesse dos estrangeiros pelo Brasil começou antes de eu escrever este livro e foi um dos motivadores. A editora resolveu publicar uma série sobre os países BRIC. Começaram com a China, depois a Índia, a Rússia. Quando, em 2008, decidiram fazer o livro sobre o Brasil, o interesse já era grande, e só aumentou. Vou fazer uma turnê pelos Estados Unidos para divulgar o livro e claro que vou para os lugares tradicionais, que têm ligações comerciais ou culturais com o Brasil, como Nova York, Washington, Boston e Miami. Mas, além disso, estou recebendo convites para fazer palestras em cidades como Denver, Salt Lake City, San Francisco, Portland, Columbus, Manchester, New Hampshire, lugares que tradicionalmente não têm uma ligação com o Brasil mas estão acompanhando um desenvolvimento da economia mundial e a política internacional e estão reconhecendo que é necessário conhecer o Brasil melhor.
ÉPOCA – Na introdução, o senhor diz que um de seus objetivos era sair dos clichês que sempre marcam a imagem do país lá fora. De que maneira seu livro mostra um Brasil diferente?
Rohter – A começar pelo título do livro e pela capa. A capa não tem uma imagem tradicional do Cristo, da praia, do Carnaval. É o centro de São Paulo, de uma cidade pujante a perder de vista. É uma imagem desconhecida aqui nos Estados Unidos ou na Inglaterra porque, geralmente, o estrangeiro conhece o Rio de Janeiro. São Paulo geralmente é a grande surpresa. E eu queria projetar a imagem de um Brasil diferente, que convida o leitor a conhecer outra realidade. Claro que eu tenho um capítulo sobre a imagem do Brasil tradicional. Seria impossível ignorar o futebol, o carnaval. Mas é um capítulo entre dez. Os outros capítulos tocam assuntos que estão muito além da pauta tradicional sobre o país. Um capítulo foca o Brasil como superpotência cultural. Outro, o Brasil como potência industrial e agrícola. São os novos elementos que mais chamam a atenção do estrangeiro, a economia e o papel do Brasil no cenário internacional, porque também tem um capítulo sobre o Brasil e o mundo.
ÉPOCA – O senhor dedica um capítulo todo à questão racial no Brasil. Por que decidiu dar esse espaço à questão?
Rohter – Nós sempre falamos da desigualdade social e econômica no Brasil mas, no fundo, isso tem um relacionamento muito forte com a questão racial que, para mim, é a raiz das mazelas sociais do país. Todas elas estão associadas à desigualdade racial. Todo povo é racista, não apenas o brasileiro. Tem racismo na China, na África, na Europa, em todos os cantos do mundo. O importante é como você lida com o racismo e se você reconhece que o racismo existe na sua sociedade. Nós, americanos, fomos forçados a reconhecer a mazela do racismo na nossa sociedade. Ainda estamos enfrentando isso, mas assumimos nossa condição de ser um país racista. O Brasil ainda não fez isso. Ainda persiste o mito da democracia, da igualdade racial, de que todas as discriminações contra as pessoas negras ou pardas têm a ver com a condição econômica, a pobreza. A ideologia de Gilberto Freyre ainda contamina o diálogo da questão racial no Brasil. É a minha visão pessoal, mas nasce de uma experiência de muitos anos no Brasil, de ter falado com amigos negros brasileiros, de ter lido muitos livros sobre o assunto. Quando eu era menino, morava na Flórida dos tempos da segregação. Foi uma coisa muito difícil para uma criança absorver, fiquei sensibilizado. Não quero dizer que nós, aqui, somos perfeitos. Mas reconhecemos que temos um problema. O Brasil ainda finge que não existe problema. Há vozes dissonantes, mas elas são minoritárias, não majoritárias. O negro brasileiro continua numa situação de desigualdade. Eu pergunto: onde está o Obama brasileiro? Não vejo um personagem dessa natureza no Brasil. O governo do Lula e do FHC fizeram coisas para melhorar a situação do negro e hoje você vê ministros negros, mais políticos negros, mas o país ainda está tentando fugir de um debate real e honesto da questão racial.
O Brasil ainda não reconheceu sua condição de ser um país racista. A ideologia de Gilberto Freyre ainda contamina o diálogo da questão racial no Brasil
ÉPOCA – O seu livro retrata as mudanças políticas, econômicas e sociais do Brasil dos últimos 30 anos. Como o senhor as vê?
Rohter – De maneira geral, o país está no caminho certo. É preciso acelerar e aprofundar as políticas que levaram a avanços importantes no campo social e econômico. A educação é o gargalo mais sério no futuro próximo. Além disso, saúde, habitação também são importantes. E medidas para dar mais oportunidades para os negros e os pardos.
ÉPOCA – O senhor está acompanhando a disputa presidencial e, em seu livro, faz um perfil dos três candidatos com maior intenção de voto (Marina, Dilma e Serra). Qual a sua visão sobre o cenário político desta eleição?
Rohter – Eu ia dar um perfil de um quarto candidato, o Ciro Gomes, mas ele saiu da disputa, uma vitória política do Lula. Neste instante, o quadro é muito favorável à Dilma. Marina é uma candidata interessante, mas vejo nas pesquisas que ela não continua crescendo. Chegou a um patamar mais ou menos fixo e, agora, o pouco tempo na TV vai dificultar ainda mais uma subida dela nas pesquisas. Ela tem uma plataforma interessante e representa algo diferente, algo fora do esquema tucanos/PT, mas não passa a um segundo turno, se é que vai haver um segundo turno. Porque é possível que a Dilma ganhe no primeiro.
ÉPOCA – A oposição está tendo dificuldades para eleger seu candidato. O senhor já esperava por isso?
Rohter – O Serra demorou demais para confirmar a candidatura. E a escolha do vice foi desastrosa. Indio da Costa como vice-presidente do Brasil? O Álvaro Dias tem experiência, ele teria sido um candidato com força no Sul do país. Mas quando comentei com minha mulher que o Serra tinha escolhido o Indio da Costa, ela ficou atônita e me perguntou: “Aquele menino?” E é isso mesmo. Agora, a escolha da Dilma também não foi ótima. O Michel Temer, embora um político experiente, representa o antigo. Ele não é uma manifestação de uma nova política no país. Dos três candidatos a vice, o mais qualificado é o da Marina (o empresário Guilherme Leal). Ele pelo menos tem experiência em dirigir algo. Não sei se o eleitorado pensa muito no vice, mas veja a história do país: muito mais do que os Estados Unidos nos últimos 50 anos, o Brasil tem vivido momentos em que o vice assume a presidência. O Jango, o Sarney, o Itamar. Dados os problemas de saúde da Dilma, temos que pensar nisso e tenho certeza de que os investidores estrangeiros já estão pensando.
O Serra desperdiçou uma vantagem inicial que tinha. Ele realmente é um político experiente, foi senador, ministro, governador, e um economista com muitas qualidades, que entende do Brasil e do mundo. Agora, não quero desprezar a Dilma. Ela é uma administradora boa, que conseguiu pôr uma estrutura, uma disciplina no gabinete do Lula, e ela é uma pessoa inteligente. Mas ela nunca foi candidata a coisa nenhuma, está começando agora. E quando a vejo em um comício, ou num debate, parece que ela ainda não se sente confortável. E está carente do calor humano que você vê em candidatos como o próprio Lula e outros presidentes brasileiros como JK ou Getúlio. Ser a indicada do Lula parece que compensa todas as dificuldades. Parece. Estamos em agosto. Vamos ver como vai o resto da campanha.
ÉPOCA – Além dos candidatos, o seu livro destaca o nome de Aécio Neves.
Rohter – Eu sei que uma aliança Serra e Aécio enfrentava oposição porque representa a aliança dos paulistas com os mineiros e tem gente que acha que é preciso uma chapa mais abrangente. Mas o Aécio é um candidato formidável. O Aécio tem futuro, sim, é claro, mas parece que o partido não sabe aproveitar toda a força que ele representa. Se não me engano, a última pesquisa que eu vi, há uma semana, dez dias, mostrava que a Dilma tinha 60% de apoio em Minas e o Serra, menos de 20%. Claro que ela é mineira. Mas, mesmo assim, um candidato tucano, num Estado em que Aécio é a figura política principal, teria que ter um desempenho melhor, para ganhar.
ÉPOCA – Os estrangeiros estão olhando para as eleições no Brasil?
Rohter – Ainda não. O que interessa para eles é o resultado: quem vai ser o novo presidente, o que significa para os investimentos, se as mudanças vão ser grandes ou pequenas. No Brasil há apenas um partido de direita, o DEM, e mesmo ele está mudando. Na verdade, no campo ideológico você tende a ver uma convergência. Tanto que eu me lembro que o Francisco de Oliveira, um dos fundadores do PT, quando o Lula assumiu, em 2003, queixava-se de que era o nono ano do governo Fernando Henrique. A esta altura, estamos no 16º ano do governo FHC. Porque a política econômica do governo Lula, com o passar dos anos, é cada vez mais social democrata, no sentido europeu. Claro que ainda existem no partido facções e grupos nostálgicos da linha marxista-leninista, mas não são a maioria. Seria interessante ver como eles vão se comportar num eventual governo Dilma. Se ela tem força suficiente para controlar essa tendência dentro do partido. Mas, hoje em dia, os dois partidos mais importantes no país estão ocupando um campo ideológico que se sobrepõe.
ÉPOCA – Embora o Brasil tenha se saído bem da crise financeira de 2008, alguns dados mostram que o crescimento está desacelerando. Como o senhor vê a economia brasileira nos próximos anos?
Rohter – Isso depende de vários fatores. Nenhum país, nem os Estados Unidos, tem potência suficiente para se isolar da crise mundial. E ainda estamos em crise. Não sou um desses tão otimistas que acham que a crise já passou. Existem vários perigos. Aqui, nos EUA, tem gente, basicamente os republicanos, falando besteira. Existe um grande perigo de deflação nos Estados Unidos que seria desastrosa para o Brasil. Outro fator é a China. O Brasil tem sido, na última década, pelo menos, uma fonte de matérias primas para a China. Temos uma relação triangular. Os Estados Unidos compram bens fabricados na China com matérias primas brasileiras. Aí o perigo para o Brasil é a desaceleração do consumo americano e da máquina industrial chinesa. Claro que aponto no livro que o Brasil tem fatores positivos que outros países da América Latina não têm. Por exemplo, o Chile tem que exportar para sobreviver. O Brasil, não. Aquele mercado de quase 200 milhões de pessoas ajuda muito. O governo foi muito inteligente em navegar aquela primeira fase da crise em 2008, apesar daquela declaração ufanista do Lula [“E a crise? Pergunte ao Bush, a crise é dele”]. Porque o pessoal na Fazenda e no Banco Central sabia do perigo e foi muito capaz em lidar com aquela primeira fase da crise. Agora é outro desafio e requer muito jogo de cintura.
ÉPOCA – Seu livro diz que o jogo de cintura é uma especialidade brasileira...
Rohter – Sim, é verdade. Nas relações pessoais, sim. No campo econômico, até certo ponto, porque o Brasil não é o rei do jogo. O Brasil tem que se conformar com certos limites, não tem autonomia plena. Mas até nós, americanos, já não temos mais autonomia plena, não... Os próximos anos vão ser um desafio. E muito vai depender da agilidade da nova turma que entra no Palácio do Planalto em janeiro.
ÉPOCA – O senhor fala que os estrangeiros nem sempre entendem a hiper-sensibilidade dos brasileiros em relação aos comentários sobre o Brasil.
Rohter – Isso acontece especialmente no início da estadia em um país. Você diz uma coisa aparentemente inocente e seu amigo brasileiro o leva a mal. Aí tem que analisar o que foi que disse, por que a pessoa se ofendeu. Tem que investigar, pesquisar a história do país e da sociedade. Eu me lembro de uma reportagem em que eu usava a palavra “lite”. Aí uma editora aqui em Nova York queria saber por que o brasileiro usava “lite” e não “light”, e aí eles incluíram uma pequena explicação. Aí alguém, não me lembro quem, fez toda uma exposição de como isso representava uma atitude colonialista, dizendo que eu estava debochando do país. Foi uma coisa que me deixou atônito. Porque, às vezes, como dizia o Freud, um charuto é um charuto. Mas acho que nós, estrangeiros, temos que aprender, temos que entender melhor como o brasileiro vê o mundo e por quê.
ÉPOCA – De maneira geral, o senhor critica o jeitinho brasileiro e como ele se transforma na cultura de levar vantagem em tudo. Mas afirma que ele funciona na diplomacia. Como?
Rohter – É um dos grandes méritos do Itamaraty. Eles sabem como construir um acordo com linguagem vaga, digamos. Ele sabem como costurar um acordo que aparentemente diz uma coisa mas pode ser interpretada como outra. É um talento muito útil no cenário mundial.
O jeitinho brasileiro na diplomacia é um dos grandes méritos do Itamaraty. Ele sabem como costurar um acordo que aparentemente diz uma coisa, mas pode ser interpretada como outra.
ÉPOCA – Em seu livro, o senhor diz que a falta de uma posição do Brasil em conflitos regionais fez o país ser conhecido como um “gigante econômico e um anão diplomático”. O Brasil vai ter mais relevância na política externa?
Rohter – Não sei, depende do próximo governo. Nos últimos meses o Brasil foi mais audacioso. Aquela iniciativa com a Turquia sobre a questão nuclear no Irã foi um passo muito ousado. Mas o Brasil se deu mal. Iniciativas fora da área de influência natural do Brasil, ou seja, fora do continente, muitas vezes vão mal. Porque o Brasil ainda não tem quadros treinados para lidar com China. Não tem pessoas com experiência diplomática ou comercial lidando com os chineses. Então cai nas trampas dos chineses, que estão nesse jogo há 5 mil anos. O Brasil quer ser algo mais que um anão diplomático mas é um processo muito difícil. Vai ter episódios muito amargos e o país vai aprender de forma dolorosa. Mas a presença do Brasil como país no cenário mundial é benéfica para todos.
O Brasil quer ser algo mais que um anão diplomático, mas é um processo muito difícil. Vai ter episódios muito amargos e o país vai aprender de forma dolorosa.
ÉPOCA – Como o senhor avalia a relação entre o Brasil e os Estados Unidos?
Rohter – Claro que a relação do governo Lula com o governo Obama não é tão íntima ou calorosa como se esperava, mas o Brasil ainda continua sendo um interlocutar útil, valioso e isso no próximo governo tende a crescer. Acredito que o próximo governo não vai cometer os mesmos erros que o governo Lula cometeu. Como o que aconteceu com a campanha para conseguir uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU, que prejudicou a relação com Argentina, com México, e não levou a nada. O Brasil fez concessões aos chineses que não foram compensadas.
Em certo sentido, o Brasil entrou na bagunça do Haiti pensando: “Não somos os franceses, não somos os americanos, vamos mostrar como se faz”. Agora está lá ainda sem ideia de como sair. Parte disso é culpa dos EUA e da França, que não cumpriram as promessas de ajuda. Mas às vezes o Lula é confiante demais. Ele vê as coisas de uma maneira simples quando estão complicadas. Ele acha: “O Brasil pode o que os outros não puderam”. E não é assim. No cenário mundial, onde ele tem pouca experiência e pouco conhecimento, as coisas são muito complicadas.
Às vezes, o Lula é confiante demais. Ele vê as coisas de uma maneira simples quando estão complicadas. Ele acha: “O Brasil pode o que os outros não puderam”. E não é assim.
ÉPOCA – No livro o senhor diz que, enquanto a imprensa brasileira valorizou o episódio em que Obama elogiou Lula (“Ele é o ‘cara’”), a imprensa americana praticamente o ignorou. Por quê?
Rohter – O Brasil é sempre muito sensível a isso: como vai a relação com os gringos. E foi um momento interessante no relacionamento entre os dois países. Mas isso passou. Estamos em outra época. A crise de Honduras mudou a situação. Também aquele discurso que o Lula fez no Itamaraty em que ele zombou da Hillary em público e isso não se faz. O governo de Obama agora se pergunta: “com quem estamos lidando? Eles são um governo sério? Eles são um país sério ou não?” Zombar da Hillary naquela vozinha de menina foi muito mal visto em Washington. O primeiro contato com o Brasil também não foi muito positivo. Eu estava viajando com a comitiva de Obama, então candidato, e um assessor dele da área de política internacional fez contato com o Brasil por meio da embaixada. Era uma coisa para não ser divulgada, mas acabou saindo em uma dessas colunas de fofoca. Um pouco o Brasil se vangloriando de um contato com o Obama, mas isso não se faz. E deixou uma impressão inicial negativa. Outras coisas têm acontecido para reforçar essa impressão. Ao mesmo tempo eles reconhecem que o Brasil é um parceiro potencial muito interessante e cada vez mais importante. Não tem como negar a importância que o Brasil tem.
ÉPOCA – Em várias passagens, Lula é apresentado como uma figura anedótica, uma espécie de bobo alegre, fazendo piada de judeu aqui, dizendo que a crise é “problema do Bush”, que é “chique emprestar pro FMI” e que “Pelotas exporta viados”. Não seria interessante mencionar também o episódio em que o senhor quase foi expulso do país por Lula?
Rohter – Menciono brevemente o incidente com o Lula.
ÉPOCA – Em um parágrafo.
Rohter – E só vale um parágrafo. Não quero voltar a esse episódio. Foi um espasmo autoritário do presidente e foi contornado. As instituições brasileiras funcionaram como devem funcionar e fui poupado da expulsão que o governo buscava naquele momento. Não sofri represálias. Ainda estou em contato com elementos do PT.
ÉPOCA – Mas o episódio alterou a sua avaliação de Lula como presidente?
Rohter – Não. Inclusive, neste novo livro, tenho uma visão muito equilibrada do Lula. Reconheço os méritos do governo dele. Na verdade falo de um ciclo de 16 anos – FHC e Lula. O Lula não é um intelectual, mas ele teve a astúcia e a inteligência de ver o valor e a utilidade das mudanças que o governo Fernando Henrique fez e de construir algo usando aquelas mudanças como base. O Lula é um grande político, não tem como negar, não pretendo negar, não quero negar. Mas ele não é intelectual. Ele é mais do estilo Bush.
O Lula é um grande político, não tem como negar, não pretendo negar, não quero negar. Mas ele não é intelectual. Ele é mais do estilo Bush.
ÉPOCA – Mas, em termos de carisma, é possível dizer que Obama está mais para Lula do que para FHC, não?
Rohter – Obama é carismático, sem dúvida, mas é um grande orador e é um intelectual. Então ele difere do Lula. O Lula é um grande orador, mas o estilo dele é mais popular. O Obama consegue despertar esperança, paixões e as mistura com ideias complicadas.
ÉPOCA – O que, na sua opinião, vão representar a Copa de 2014 e os os Jogos de 2016 para o Brasil? Estando fora do Brasil, o que se espera do país como sede desses eventos?
Rohter – É a chance de projetar o país como potência emergente. Vejo oportunidades e perigos. A advertência que a Fifa fez agora sobre os estádios deve ser levada a sério. Fui bastante crítico dos Jogos Panamericanos porque o Rio fez promessas que não cumpriu. Prometeu construir novas estações do metrô, por exemplo. Mas quando o país faz uma promessa e assina um contrato, tem que cumprir. Senão, a credibilidade do país sofre. Daí o perigo. Com a Copa e as Olimpíadas, você está lidando com outros países, outros povos, que têm outros valores e padrões. E eles vão ficar nervosos se tudo ficar para a última hora. Então é bom começar logo para evitar problemas e constrangimentos. Claro que entendo que estamos em campanha eleitoral e isso acaba postergando contratos e decisões.
ÉPOCA – A violência brasileira está sendo vista como um problema pelos estrangeiros?
Rohter – A questão da violência vai ficar cada vez mais importante lá fora. É inevitável que em reportagens sobre episódios de violência no Rio, no quarto ou quinto parágrafo, haja menção ao fato de que a cidade vai ser sede dos dois eventos. Tem incidentes que realmente marcam as pessoas. Para mim foi a morte daquele menino João Helio. Até hoje fico pensando no caso dele, na família dele. Não existe um perigo real viver a cada momento no Rio, mas existe uma preocupação que tira algo do brilho da Cidade Maravilhosa. Conheço pessoas aqui que vão visitar o Brasil e não pretendem ir para o Rio porque já ouviram tantas histórias... Eu digo que é exagero, mas tem que tomar cuidado, é claro.
ÉPOCA – Não nos recordamos, aqui na redação, da suspeita de compra de votos de jurados no Carnaval do Rio na vitória da Vila Isabel com um enredo sobre a Venezuela governada por Hugo Chávez.
Rohter – A imprensa carioca especulou sobre a compra de votos. Eu era correspondente na Venezuela e vi especulação na imprensa lá e, além do mais, tenho parentes que moram na Vila Isabel. Mas confesso que eles são do Salgueiro. Mesmo assim havia especulações sobre isso.
ÉPOCA – Sabíamos da especulação em 2007, quando a Beija-Flor foi campeã.
Rohter – É, também.
ÉPOCA – Quais são as chances de, daqui a dez anos, o senhor escrever o livro The Rise and Fall of Brazil (A ascensão e a queda do Brasil)?
Rohter – O Brasil está subindo, como diz o título do livro. O país chegou a outro patamar. O perigo não é cair, mas haver uma estagnação, deixar de subir com a mesma velocidade. A ideia de um Brasil quinto poder daqui a dez, quinze anos não é irreal. Depende de vocês. É uma aspiração lógica. O país está em uma fase bem diferente de sua história. Eu sou otimista. Nesse sentido sou brasileiro.
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