*Enquanto se discute para saber se a culpa pela tragédia na Região Serrana é do aquecimento global ou das ocupações irregulares - como se uma causa excluísse as outras - tramita no Congresso um projeto que é uma espécie de liberou geral para as transgressões ambientais. Trata-se do novo Código
Florestal, que na prática vai ser ainda mais permissivo em relação às construções no topo dos morros, nas encostas e nas margens dos rios, ou seja, nas áreas de risco, que provocam tantos deslizamentos e mortes. A proposta, aprovada por uma comissão especial, deve ser votada pelo plenário da Câmara em março.
Quando se acredita que todo o país está pensando em como diminuir as possibilidades de novas catástrofes, há parlamentares tomando providências para que elas ocorram. O que a legislação atual proíbe o novo código quer permitir - construir no alto dos morros e em declives com mais de 45° - além de diminuir de 30m para 15m a distância das construções à beira dos rios. O relator do projeto, deputado Aldo Rebelo, nega, afirmando que a nova lei não trata das cidades, apenas do solo para agricultura e pecuária. Os repórteres Vanessa Correa e Evandro Spinelli, porém, consultaram o texto e confirmam que ele se refere também à regularização fundiária de áreas urbanas.
É um país estranho. Solidário como poucos nas desgraças, não consegue tirar lições para evitar que elas voltem a acontecer. Tem dificuldade de corrigir seus defeitos estruturais. Agora mesmo seria a ocasião de aproveitar a destruição de grande parte dessas cidades serranas para reconstruí-las em bases mais humanas, de acordo com um desenvolvimento menos predatório.
Acompanhei a deterioração de Nova Friburgo, que nos anos 40/50, quando lá vivi, era um lugar ideal para se morar - calmo, aprazível, com excelente qualidade de vida. Sede de importantes fábricas têxteis, transformou-se logo num polo de atração das populações vizinhas, foi inchando e logo adquiriu os
males das metrópoles: violência, favelização, excesso de automóveis, poluição, engarrafamento.
O exemplo mais dramático desse processo foi observado por mim há alguns meses. Resolvi visitar o Morro do Cordoeira, que não era favela e onde fôramos criados, meus três irmãos e eu. Subia a última das três ladeiras, quando fui parado por alguns senhores que conversavam numa roda. Expliquei que era um antigo morador procurando a rua que meu pai abrira com enxada e que por isso recebera o nome de sua mãe. Era uma visita sentimental. Eles me aconselharam a não fazer isso. Aquele morro onde brincávamos sem medo a qualquer hora fora dominado pelo Comando Vermelho. Tornara-se perigoso, como aliás toda a cidade.
COLUNA - Zuenir Ventura* O GLOBO 19/01/2011
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