Páginas

domingo, 24 de outubro de 2010

O sentido da nossa independência



 Na nossa visão tanto José Serra quanto Dilma Rousseff são pessoas dignas, tem uma trajetória limpa,  representam idéias de um campo “grosso modo”  social-democrata além de um passado de resistência à ditadura e participação na construção da imperfeita democracia que temos. Ambos fazem parte de alianças onde figura o pior das oligarquias políticas tradicionais e estão associados a interesses que resistem fortemente contra nossa agenda ambiental de sustentabilidade e economia de baixo carbono. Recebo esses e-mails de dilmistas afoitos ou serristas histéricos  cujo grande argumento é a satanização por associação:  “não podem apoiar que está com Katia Abreu, Blairo Maggi ou Ronaldo Caiado!” ou “não podem apoiar com quem está  com Jader Barbalho, Stephanes e Calheiros!”.  Já fiz um corte & cola pelo qual envio os vilões de uns para os outros.

  As propagandas negativas de ambos seriam francamente cômicas não fosse trágica essa regressão cultural propiciada pela polêmica do aborto nos termos em que se dá. Estou seguro que, no íntimo,  tanto Dilma quanto Serra concordam com a posição programática dos verdes. Somos contra a prática do aborto, queremos reduzi-lo cada vez mais (e idealmente a zero) mas achamos que o caminho para isso se dá pela via da redução do sofrimento e do respeito à vida das mulheres pobres.  Passa pela  descriminalização combinada à educação sexual e contraceptiva. É abjeta a hipocrisia da sua criminalização com todas essas clinicas --com nome de santo--  funcionando normalmente para a classe media e pagando pedágio para a corrupção policial enquanto milhares de jovens pobres ficam submetidas a situações de alto risco.

 Uma inimaginável repressão, à sério,  como uma que se esboçou efemeramente, nos anos 60, pelas mãos  histriônico delegado Padilha,  com prisões e fechamentos em massa de clínicas,  provocaria pura e simplesmente uma epidemia de auto-abortos e o recurso generalizado às “fazedoras de anjo” com centenas de óbitos,  coisa que até hoje governo algum ousou bancar (e a própria Igreja, de fato, nunca buscou).  A hipocrisia acaba servindo melhor a todos, sobretudo em período eleitoral. 

  Paradoxalmente, discorda dessa nossa posição programática a própria Marina, amparada na “cláusula de consciência”, que o PV, lhe garante, por motivos religiosos.  A grande diferença é que ela sempre expressou sua posição com clareza e sinceridade sua posição religiosa sobre o tema e jamais a utilizou como arma eleitoreira. Pelo contrário, no início do processo,  foi insistentemente alvejada pelos twitteiros e blogueiros petistas tentando abafar seu potencial de crescimento à esquerda,  tachando-a de “fundamentalista” ou conservadora, por causa disso.  O tiro saiu pela culatra e o feitiço voltou-se contra os feiticeiros. Mas isso não nos serve de consolo porque atitude regressiva  e insincera na qual ambos candidatos ao segundo turno se refugiaram bem como  sua neo-carolice forçada  é simplesmente deprimente. Já Marina, a religiosa de verdade,  soube subordinar  o tema à soberania popular de nossa república laica --daí sua proposta de um referendo--  e sabe dialogar de forma sincera e amorosa com todos:  religiosos de todas denominações, agnósticos e ateus.

 Procuramos elevar o nível do debate no segundo turno apresentando nossa Agenda Verde de 10 pontos e 42 itens. Houve, reconheçamos,  um esforço meritório por parte das duas candidaturas de assimilar a maioria deles com uma resposta, por escrito,  mais consistente por parte do PT. De um modo geral, no entanto, a questão ambiental virou a grande ausente dos debates do segundo turno. O sentido da agenda não era subordinar a sua aceitação o apoio formal  a um dos candidatos mas colocar esses temas no segundo turno fazendo ambos assumirem seus compromissos publicamente. No futuro,  com nossa vigilância, a população e a imprensa vai lhes cobrar a palavra empenhada.

  Nossa posição de independência é também uma de humildade. O fato é que não estamos no segundo turno e os 20 milhões de votos do primeiro não pertencem a Marina  Silva, muitos menos ao PV. Foram  dados naquele momento, no dia seguinte voltam a pertencer ao eleitor. O que podemos fazer de melhor, agora,  é oferecer-lhes os melhores subsídios para uma decisão consistente e adulta, por si mesmos,  entre as duas opções que permanecem.

 E, sobretudo,  apontar para o futuro, pois Marina e os verdes vieram para ficar. 

escrito por Sirkis


A posição de independência de Marina Silva e do Partido Verde em relação ao duelo de segundo turno entre Dilma Rousseff e José Serra era a única atitude a se tomar se entendemos que a história do Brasil não para no dia 31 de outubro. Não posicionar-se em apoio ou em hostilidade a um ou outra nos pareceu o mais coerente para quem tem uma visão crítica da política brasileira tal qual é hoje. Recusamos a clássica negociação “pragmática” de segundo turno envolvendo promessas de cargos --que aliás, justiça seja feita,  sequer tiveram oportunidade de serem formuladas-- e procuramos conduzir o debate com o PT e o PSDB para um campo de discussão programático. Recusamos a demonização de Dilma Rousseff ou de José Serra,  não compactuamos com  discursos paranóicos e anátemas. No caso, não cabe votar em um(a) só pelo suposto terrível mal representado pelo (a) outro (a). Como disse Marina, vamos parar de infantilizar o eleitor.

Nenhum comentário:

Postar um comentário